#6 - Muito além da chuteira: ‘professores’ dão aula nos campos varzeanos

Árbitros e treinadores também enriquecem tradição vicentina no futebol

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Árbitros e treinadores também enriquecem tradição vicentina no futebol 
 
Provavelmente não há quem sofra mais dentro do mundo futebolístico do que eles. Muitas vezes desvalorizados, mas essenciais dentro e fora de campo. Isso porque, na grande maioria das vezes, o insucesso de uma equipe é atrelado ao seu treinador ou ao árbitro da partida. Entretanto, a missão deles não é nada fácil. 
 
Revelando
Os ‘professores’ têm um papel essencial dentro do universo esportivo. E em São Vicente, um projeto conduzido por dois treinadores forma diversos talentos que, futuramente, estarão carregando a bandeira do Município: o Centro de Treinamento Revelando. Como o próprio nome já diz, o clube segue suas raízes e, recentemente enviou o jovem de 19 anos, Caick Yago ao mundo profissional. O atleta chegou ao sub-20 do Red Bull Bragantino, muito graças à contribuição de seus formadores, David Riesco e Edson Lopes. 

 
O projeto do Revelando começou há mais de 10 anos, e abre diversas oportunidades às pessoas em situação de vulnerabilidade. “Nossa intenção é auxiliar na formação das crianças e jovens, atendendo às comunidades, tanto na Área Insular quanto na Continental”, explica o treinador Edson. 
 
Tudo começou com um projeto social, que dava sequência ao antigo Centro de Treinamento Robinho, que foi extinto. Com isso, foi fundado o Revelando. 
 
O papel do treinador é essencial não só na montagem da equipe, mas principalmente na gestão do elenco. E quando se trata de jovens, a responsabilidade é ainda maior, pois a orientação é necessária. 
 
Além de formar novos talentos, a equipe de David e Edson também possui tradição nas competições esportivas. “Fomos campeões da Copa Sespor, enfrentando várias equipes de ponta. Eu considero o principal título que tivemos até hoje no campo”, conta David. 
 
Os professores gostam do jogo ofensivo, e costumam adotar a formação 4-3-3 em campo, estilo que preza pela posse de bola e velocidade nas pontas. “O projeto do Revelando foi essencial na minha formação, trazendo aprendizados e conceitos. Costumo falar ao Edson que ele é meu segundo pai”, detalha Caick, do Red Bull Bragantino. 
 
“A várzea me educou e transforma a vida de muita gente. Não podemos deixar que ela morra jamais. O futebol amador é tudo”, completa Edson. 
 
O Revelando segue com o projeto de revelar novas crias do terrão para o mundo. Segundo os treinadores, clubes grandes como Palmeiras, Corinthians, Grêmio e Internacional estiveram em contato para observar jovens da equipe. Com este pensamento de expandir o amor pelo esporte e abrindo novos caminhos à população de baixa renda, David e Edson seguem expandindo seus trabalhos nos bairros vicentinos. 

                                                         
 
Eduardo Dias
Comandante do Fátima, na categoria sub-17, e grande vencedor dentro do futebol vicentino, Eduardo Dias é mais um ‘paizão’ dos  elencos amadores. 
 
Com variação no estilo de jogo, o professor costuma adotar os sistemas 4-4-2 ou 4-3-3. O primeiro preza por um jogo mais compactado, diminuindo os espaços. Já o segundo, busca um jogo mais ofensivo. 
 
E se no futebol há personagens com muita história para contar, Eduardo não fica de fora. O técnico ingressou na equipe em 1998, treinando a equipe feminina e conquistando diversos títulos. O comandante rodou pelos clubes vicentinos e também já treinou o Canto do Rio, uma das equipes mais famosas e vitoriosas da Cidade. 
 
Assim como os professores Edson e David, o professor Eduardo se apoia nas oportunidades de crescimento que a várzea proporciona, considerando uma possibilidade de ascensão social para os atletas. “A várzea criou grandes nomes como Renatinho, Adriano pagode, Marcelo e o ‘Pelé’ do futebol amador para mim, Neizinho”, explica. 
 
“A várzea representa tudo na minha vida. Futebol é saúde, lazer e vida”, completa. 
 
Árbitros 
Os professores do campo, na maioria das vezes os que mais sofrem com as ofensas, também têm muita história pra contar. 
 
Marcelo da Silva Souza, de 62 anos, possui longa trajetória dentro dos campos varzeanos. “Tudo começou em 1985, logo em um clássico entre Itararé e São Paulino. A partida terminou 1 a 1. Eu estava como tapa-buraco e acabei sendo convidado definitivamente para apitar. O primeiro jogo a gente não esquece”, conta. 
 
O desempenho foi satisfatório e, a partir desse momento, foi chamado para apitar de maneira efetiva. Ali nascia uma carreira de grandes momentos, e outros extremamente tensos. “Já sofri com ameaças e climas bastante hostis. Porém, felizmente nunca saiu disso”, comenta. 
 
Há episódios em que tudo deu certo. “Apitei uma final entre México 70 e Fátima. Jogo com muitas emoções e brigas, mas que não saiu das minhas mãos. A partida terminou em 3x2 para o México.”, lembra. O jogo, no entanto, contou com um fato curioso. O atacante do México 70, ‘Cido’, havia acabado de perder sua mãe e compareceu ao jogo apenas para acompanhar. Porém, a torcida se mobilizou e pediu sua entrada em campo. Ele entrou e ‘destruiu’, marcando três gols. 
 
Após mais de dez anos, Marcelo foi escalado para apitar novamente um jogo entre Fátima e México 70. “O clima era mais hostil do que nunca, e sofri ameaças. Ambas as torcidas incendiaram as bandeiras rivais. Dentro de campo foi tudo bem e a partida acabou com o placar de 2 a 1 para o Fátima”, comenta. 
 
Marcelo não apita mais, mas segue como mesário, afinal a paixão pelo futebol nunca morre. 
 
Carlos Abel, de 59 anos, também é mais um profissional da arbitragem cheio de histórias para contar. “Minha trajetória na várzea é repleta de turbulências, muitos jogos bons e ruins, inclusive partidas que não terminaram”, conta. 
 
Como todos os professores do campo, Carlos também tem suas lembranças. “Um dos melhores jogos que apitei foi entre Flor de Maio e Canto do Rio, que vencia por 3x0. Com uma reação inacreditável, o Flor de Maio virou para 4x3. Esse jogo guardo para sempre na memória”. 
 
Com os nervos à flor da pele após a virada sofrida, a torcida do Canto do Rio invadiu o campo atrás de Carlos. “Eu estava sozinho, não tinha bandeirinhas. Tinha mais de duas mil pessoas no campo, muitas delas querendo me pegar. Foi um tremendo sufoco”, relata. No fim das contas, protegido, o árbitro conseguiu escapar do pior. 
 
Em 2019, o árbitro também recorda que apitava uma final entre Largo do São Bento e Comando do Guarujá. A partida era repleta de craques da várzea, como Marcelo Fernandes e Neizinho. O Largo venceu e se sagrou campeão. O que Carlos não esperava era que sua ótima arbitragem fosse render elogios de todos os envolvidos no jogo. “Os dois times vieram me elogiar pela arbitragem. Aquele foi um dos melhores momentos meus no futebol, porque me senti competente e, consequentemente, orgulhoso”, conta. 
 
“A várzea é a minha vida. Mesmo com todos os riscos e ameaças, vale a pena ver o sorriso no rosto de um torcedor após uma vitória. A várzea não pode acabar nunca”, conclui 
 
Os relatos mostram mais um pouquinho do que o futebol amador proporciona aos seus apaixonados. Treinadores e árbitros dedicam seus dias e, muitas vezes, suas vidas a um projeto. O futebol vai muito além das quatro linhas. 

              
 
Por Guilherme Sibilio