As palavras, quando bem escritas, não têm prazo de validade. Elas resistem ao tempo e cruzam gerações. Com ‘Me vê Dez Médias’, o escritor vicentino Leandro Marçal nos lembra disso: que a literatura é uma forma de eternidade. O lançamento do livro acontece neste sábado (17) - das 14h às 18h, na Rua Frei Gaspar, 1.731 -, reunindo 14 contos que mergulham no cotidiano da Baixada Santista, com suas contradições, afetos e brutalidades. Uma coletânea onde os personagens andam por ruas conhecidas, vivem dilemas reais e falam a língua que se ouve no ponto de ônibus, na padaria e nos bares da esquina.
A expressão que dá nome à obra ‘Me vê Dez Médias’ é simples, coloquial e incrivelmente poderosa. Mais do que um pedido habitual no balcão, ela carrega o sotaque, o ritmo e a alma da região. “É uma frase comum de ser ouvida por aqui. E tem tudo a ver com o espírito do livro, que é o de retratar nossas cidades e nossos modos de falar e viver”, ressalta Leandro, que nasceu e cresceu no Parque São Vicente.
Mas não se engane: por trás da leveza do título, há camadas profundas. Narrados por homens sem nome, os contos revelam dores caladas, violências rotineiras e conflitos internos, muitos deles alimentados pela rigidez de uma masculinidade que ainda custa a se transformar. “Gostaria que o leitor terminasse o livro com a sensação de que não precisamos naturalizar a brutalidade. Podemos errar, ser frágeis, ser sensíveis — e tudo bem”, reflete o autor.
Me vê Dez Médias é seu quinto livro publicado, e talvez o mais visceral. Com histórias situadas em cidades como São Vicente, Santos, Praia Grande, Cubatão e Guarujá, Leandro transforma a Baixada em personagem — viva e contraditória. “No começo, eu até resistia a ambientar minhas ficções na minha cidade. Hoje, entendo que o meu território também é literatura. Ele molda os personagens, as escolhas, o jeito de existir”, revela.
Cada conto é um espelho, por vezes rachado, mas sempre honesto. E é aí que está a força da escrita: na capacidade de transformar o ordinário em extraordinário, de iluminar realidades escondidas nos cantos da cidade. “A literatura exige entrega. Ela nos faz entrar na cabeça dos outros. E nenhuma outra mídia faz isso tão bem”, pontua Leandro.
Formado em Jornalismo, o escritor também assina crônicas semanais no blog Tirei da Gaveta. Sua primeira publicação foi em 2018, e desde então ele vem explorando diferentes formatos: romances, ensaios e contos. Tudo com uma escrita que observa o mundo com ironia, sensibilidade e crítica social. “Sempre gostei de escrever mais do que de ler. Mas a leitura veio depois, como necessidade vital. Hoje, posso passar sem escrever por um tempo — mas sem ler, não dá”.
Num mundo de estímulos curtos, telas incessantes e verdades líquidas, Leandro aposta no poder das histórias bem contadas. “Vivemos uma crise da imaginação. A literatura é um freio, uma pausa. Ela não serve para dar lições, mas para provocar, incomodar, e quem sabe, transformar”.
A obra é uma publicação independente, viabilizada com apoio da Secretaria de Cultura de São Vicente (Secult), que acredita na força da produção literária local. Para o secretário de Cultura, Alexandre Rodrigues, fomentar a cultura também é reconhecer a dignidade da profissão artística:
“Os programas de fomento, como a Lei Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc, são instrumentos fundamentais para fortalecer a dignidade e a sustentabilidade da profissão cultural. Aqui, a Prefeitura, por meio da Secretaria de Cultura, tem atuado com seriedade e diligência para garantir que cada fase desses processos seja cumprida com transparência e dentro dos prazos estabelecidos, respeitando os fazedores de cultura e suas trajetórias”.
Segundo ele, os resultados positivos dos editais refletem o compromisso da cidade com seus artistas:
“Nos orgulhamos de ter mais de 80% da execução concluída nos últimos editais, com 80 projetos contemplados pela Lei Paulo Gustavo e 58 pela PNAB no último ano. Só no segmento da literatura, por exemplo, tivemos 6 projetos apoiados na LPG e cerca de 10 na PNAB”.
Mais do que números, trata-se de valorizar quem constrói a cultura vicentina no dia a dia:
“Mais do que distribuir recursos, tratamos de reconhecer e valorizar quem constrói, todos os dias, a história cultural de São Vicente. E já aderimos ao novo ciclo para 2025, com o compromisso de ampliar ainda mais o alcance e a efetividade dessas políticas públicas de cultura”.
E se, como diz a frase, as palavras ficam depois que nós partimos, Me vê Dez Médias chega como quem deixa um bilhete escondido entre páginas e esquinas. Um lembrete de que há beleza nas falas simples, que há potência na linguagem local, e que alguns livros nunca saem da memória.
Lançamento - Para quem quiser conhecer de perto o autor e garantir seu exemplar, o lançamento acontece neste sábado (17), das 14h às 18h, na Rua Frei Gaspar, 1731 — Parque São Vicente. Os livros físicos custam R$30 e a versão digital será disponibilizada gratuitamente. A obra também pode ser adquirida diretamente pelo Instagram do autor: @leandromp91.