É com sensibilidade no olhar que Cintia Maria Silva dos Santos, enfermeira e gerente de enfermagem do Hospital do Vicentino relata o impacto emocional da captação de órgãos, uma realidade que conhece de perto. Já participou de quatro procedimentos e, em cada um deles, carrega o compromisso de transformar a dor da perda em uma chance real de esperança para quem espera por um transplante.
Ela lidera a equipe de enfermagem que prepara todo o cenário para que a captação ocorra, seguindo todos os protocolos técnicos e éticos estabelecidos pelo Ministério da Saúde: “Nós somos responsáveis por deixar as salas cirúrgicas montadas, equipe de apoio pronta, material e insumos separados e a dinâmica de trabalho alinhada com a equipe da OPO (Organização de Procura de Órgãos)”, explica.
Para a captação ser realizada, primeiro tem que ser atestado a morte encefálica, este procedimento precisa ser confirmado por três profissionais diferentes, em horários distintos, conforme determina o protocolo estabelecido pelo Conselho Federal de Medicina. “A confirmação é feita com base em exames clínicos que comprovam a ausência de reflexos do tronco cerebral. Nossa função é garantir a qualidade da assistência de enfermagem no manejo clínico desse doador”, pontua Cintia.
Após essa confirmação, a equipe multidisciplinar do Hospital do Vicentino (formada por médico, enfermeiro e psicóloga) e a OPO entram em contato com os familiares, prestando apoio emocional e esclarecendo todas as informações necessárias antes de solicitar a autorização formal para a doação dos órgãos. “Existe um acolhimento, onde é explicado o que é a doação, como será feita e só acontece mediante autorização da família”, esclarece a enfermeira.
As reações são variadas e Cintia ressalta que não há uma única forma de descrever esse momento. “É um misto de emoções. Cada familiar reage de uma forma, e cabe a nós respeitarmos esse tempo e esse luto.”
Até a retirada dos órgãos, a principal responsabilidade da equipe é manter o corpo do doador em boas condições para que os órgãos continuem funcionando. “É um trabalho cuidadoso, que exige atenção a detalhes como a estabilidade da pressão, o controle da temperatura e o equilíbrio das funções do corpo. Cada detalhe faz diferença”, explica Cintia.
Todo esse processo também tem um forte impacto emocional nos profissionais envolvidos. Com 13 anos de atuação na saúde de São Vicente e participação em quatro captações de órgãos no município, Cintia Maria Silva dos Santos afirma que cada procedimento ainda carrega grande significado.
“É incrível ver a perfeição do corpo humano. Esse tipo de experiência mostra o quanto somos complexos e, ao mesmo tempo, como podemos ser instrumentos para salvar outras vidas. É a morte que salva vidas. É uma mistura de fim e recomeço. O que representa o fim para uma família pode ser o começo da vida para outra. É um ciclo, e estar presente nele é uma grande responsabilidade”, reflete.
Desinformação ainda é um obstáculo
Apesar da importância e da urgência da doação de órgãos, ainda há muita desinformação entre a população. Um dos mitos mais frequentes, segundo Cintia, é o medo de que os órgãos sejam retirados de pessoas ainda vivas. “Isso não existe. A morte encefálica é um diagnóstico definitivo e irreversível, confirmado com base em protocolos médicos rigorosos”, afirma.
Ela também faz questão de destacar que o sistema de transplantes no Brasil é seguro e transparente. “Existe uma fila, todos têm acesso a ela, e tudo é feito com base em critérios médicos. A doação de órgãos é uma das maiores expressões de solidariedade que podemos ter".
Setembro Verde: Mês de conscientização sobre a importância da doação de órgãos
A campanha do Setembro Verde tem como objetivo incentivar a conversa familiar sobre o desejo de doar, já que a legislação exige autorização dos familiares para a retirada de órgãos em caso de morte encefálica.
A campanha busca aumentar o número de doadores e reduzir os altos índices de recusa familiar, mostrando como um único doador pode salvar várias vidas e trazer esperança para quem aguarda na fila de transplantes.
"Esse é o momento de falar sobre isso, de tirar dúvidas, de desmistificar. A doação salva vidas, e quem doa deixa um legado de amor", conclui Cintia.
Por Guilherme Gebara