O economista Michael França foi o quinto e último palestrante do Encontro de Educadores de São Vicente, encerrando a programação do evento promovido pela Secretaria de Educação (Seduc). Fundador e coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, França apresentou a palestra “Desigualdades sociais e políticas públicas”, propondo uma análise sobre a equidade racial e os desafios contemporâneos da educação brasileira.
Realizado pela primeira vez no formato on-line, o Encontro reuniu mais de dois mil profissionais da rede municipal de ensino sob o tema “Convivência Real, Conexões Verdadeiras”, que convida os participantes a refletirem sobre o valor do diálogo, da escuta e da presença no ambiente escolar.
Com um mapeamento minucioso englobando as últimas quatro décadas, Michael mostrou que o País avançou no acesso à educação básica: a distância entre brancos e negros nas matrículas do ensino fundamental praticamente desapareceu, de acordo com os dados. No ensino médio, os números apontam que essa diferença tende a se encerrar nos próximos anos. Porém, no ensino superior e no mercado de trabalho, as desigualdades ainda são evidentes.
“Mesmo com os avanços educacionais, ainda formamos mais mão de obra branca e o mercado de trabalho continua apresentando um abismo racial que persiste há mais de 40 anos”, observou o economista. O especialista apresentou gráficos que revelam como a diferença salarial entre brancos e negros, embora tenha diminuído desde os anos 1980, ainda é de cerca de 40%, permanecendo praticamente estável nas últimas décadas.
O palestrante ressaltou que o problema vai além da educação, envolvendo fatores estruturais e históricos da sociedade brasileira. “O patrimônio familiar inicial dita o quanto você pode investir em educação e, consequentemente, o quanto pode ampliar essa renda no futuro. Quem nasce em famílias de alta renda tende a manter e multiplicar o patrimônio”, explicou.
Ao analisar as desigualdades em camadas, França destacou que a discriminação social é a mais ampla e que, quando somada à racial e de gênero, torna-se ainda mais profunda. “Uma mulher negra que mora na periferia enfrenta três barreiras: social, racial e de gênero”. Em suma, é preciso reconhecer tais camadas para compreender a complexidade das desigualdades no Brasil.
Ele também chamou atenção para a forma como as elites econômicas mantêm a distância social, criando “bolhas de convivência” que se refletem na educação e no mercado de trabalho. “Quando uma família paga R$ 10 mil por mês em uma escola, está, de certa forma, mantendo essa exclusão, garantindo que seu filho não conviva com o filho de alguém da camada mais pobre”, exemplificou.
“Se tivéssemos uma sociedade totalmente branca, ainda assim haveria distinções entre homens brancos mais favorecidos e outros desfavorecidos. No entanto, no Brasil, classe e raça estão profundamente relacionadas. Assim, pessoas negras se encontram em maior número entre as camadas mais pobres e precisam lidar, além dessa desvantagem inicial, com o viés racial”.
Para o economista, o sistema capitalista reforça essa lógica de exclusão, limitando o acesso a bens, serviços e oportunidades. Mesmo no mercado de trabalho, a discriminação muitas vezes ocorre de forma indireta, por meio das redes de indicação e da falta de diversidade nos círculos sociais. “Os cargos de liderança são ocupados, em sua maioria, por homens brancos de alta renda, que tendem a indicar pessoas do mesmo grupo”, analisa.
França também conclui que, no Brasil, classe e raça estão profundamente interligadas, e que a superação desse cenário exige um esforço coletivo e contínuo. “Mesmo quem se diz antirracista ou feminista tende, inconscientemente, a reproduzir privilégios. O desafio é reconhecer isso e construir relações mais justas, com empatia e convivência real”.
Finalizando sua explanação, o coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper constata a permanência de uma desigualdade brutal na sociedade brasileira, que contamina o sistema político e todas as instituições do País. “Podem até surgir algumas políticas que tentam amenizar um pouco essas desigualdades, mas não há um desenho estruturado, uma mudança realmente sistemática capaz de alterar as bases do jogo. A classe política, assim como boa parte das estruturas sociais, muitas vezes apenas reproduz essa inércia das desigualdades. Falta uma força substancial de ruptura dentro desse ciclo, e, assim, a roda continua girando, girando... No fim das contas, o Brasil segue sendo o que sempre foi”.
Aqueles que não tiveram a oportunidade de acompanhar ao vivo a transmissão da palestra de Michael França no encontro de Educadores, podem acessar o canal do YouTube pelo link https://www.youtube.com/watch?v=DcEIe27USzc .
.
Texto - Renato Pirauá