O cinema vicentino segue ganhando novos contornos pelas mãos de quem enxerga nas ruas, nas pessoas e nas próprias dores o combustível para criar. É o caso de Giuliana Donadio, moradora da Cidade, estudante de Cinema e Audiovisual da Universidade São Judas Tadeu (USJT/Unimonte) e estagiária de audiovisual da Secretaria de Imprensa e Comunicação (Seicom) da Prefeitura de São Vicente.
Aos 22 anos, ela está produzindo um curta independente que mergulha na luta silenciosa de uma jovem com dismorfia corporal e a maneira como o espelho pode se tornar um vilão silencioso. A sinopse apresenta Poliana, uma garota consumida pela obsessão por um corpo “perfeito” que vê nas redes sociais sua bússola. Influenciada por “nutri-influencers” e sufocada pela pressão de seu círculo familiar, ela mergulha em uma rotina destrutiva de exercícios exaustivos, dietas extremas e contagem obsessiva de calorias. A trama retrata o impacto da pressão estética e da influência das redes sociais sobre a protagonista, revelando as fissuras entre o que se mostra e o que se esconde por trás das telas. O curta está sendo desenvolvido como projeto da faculdade e tem como meta ser inscrito em festivais de cinema. Por enquanto, segue em fase de pré-produção, sem data de estreia definida, mas com previsão de lançamento até o final do ano.
“Para mim, como diretora, escolher São Vicente para o cenário foi mais do que uma decisão técnica; foi uma escolha de afeto”, explica Giuliana, que mora no bairro Planalto Bela Vista e é a única vicentina da turma. “É muito gratificante ver a produção cinematográfica crescendo na nossa cidade, saber que aqui também se produz é algo incrível. Ver São Vicente marcando presença em festivais me deixa mais esperançosa com o futuro do nosso cinema”.
A diretora divide a criação com Rafaela Souza, parceira de faculdade e cofundadora da Uçá Filmes, produtora independente criada pelas duas para dar vida aos projetos acadêmicos e divulgar seus filmes fora da instituição.
“Escolhemos o nome Uçá em homenagem ao caranguejo que representa a força e a resiliência da Baixada Santista. A produtora nasce desse símbolo. Somos parte de um ecossistema e buscamos fortalecer os laços com nossa comunidade”, conta Giuliana.
Ela explica que as produções são 100% independentes e financiadas com recursos próprios, contando apenas com o apoio logístico da universidade. “Utilizamos nosso próprio capital e o empréstimo de equipamentos da faculdade. Isso nos dá uma liberdade criativa enorme, apesar dos desafios de um orçamento limitado. Em produções independentes, é quase inevitável acumular diversas funções. Mas a organização e o amor pelo cinema me permitem gerenciar tudo com muito carinho”.
Apaixonada pelas artes visuais desde a infância, Giuliana encontrou no cinema o espaço onde todas as suas linguagens se cruzam, da fotografia à direção de arte, sua área preferida. “O cinema, para mim, transcende o mero entretenimento. Ele é uma ferramenta poderosa de protesto, de representação social e de registro histórico. Sempre fui muito ligada às artes visuais, gostava de desenhar, fotografar, modelar, e comecei a produzir pequenos vídeos com amigos na adolescência. Os feedbacks que recebi me fizeram enxergar o cinema como um caminho real”.
Além de suas referências acadêmicas, Giuliana revela que sua principal fonte de inspiração está no cotidiano. “Sou muito observadora. Pego referências na janela do ônibus, anoto uma cena inusitada, fotografo uma textura interessante. Tenho uma pasta de referências visuais no meu celular, uma espécie de ‘caixa de achados’ criativa, onde guardo essas pequenas inspirações para resgatar na hora de criar. É um processo muito orgânico e visual”, explica.
Essa sensibilidade também conduziu sua estreia no circuito de festivais com o curta documental “O Voo de Dener”, produzido como trabalho avaliativo da faculdade. O filme narra a trajetória de Dener Xavier, educador social da Vila Margarida, e destaca um episódio marcante: Dener empinou pipa na Times Square, em Nova York. A partir desse evento simbólico, o curta constrói uma narrativa poética, usando o mito de Ícaro como metáfora para falar sobre sonhos, coragem e o risco de alçar voos altos demais. Atualmente, o curta encontra-se indisponível em todas as plataformas de exibição. A pausa é necessária devido às exigências de exclusividade dos festivais em que está participando, com previsão de disponibilização no YouTube, provavelmente, no final do ano.
A estreia aconteceu na 22ª edição do Festival de Cinema de Santos – Curta Santos, em 8 de novembro de 2024, e marcou o início da trajetória de Giuliana como diretora de fotografia e arte, e posteriormente, diretora. O curta também participou do Festival Mostra de MINAS:
“Mesmo não tendo me inscrito formalmente no festival Mostra de MINAS, a menção da nossa produção foi importante, porque a relevância da instituição para o cenário cinematográfico da região agrega visibilidade e credibilidade à nossa cidade”, destaca.
Hoje, Giuliana segue firme na missão de dar voz às histórias da Baixada Santista, transformando o cotidiano em roteiro, o invisível em imagem e cada detalhe em uma nova forma de narrar a vida.
“O cinema é o jeito que encontrei de dialogar com o mundo, de registrar o que sinto e observo. Espero que, com esse novo curta, mais pessoas enxerguem a potência que existe aqui, nas nossas ruas, nas nossas histórias”.





