Entre lápis curtos, gibis usados e páginas coloridas pela imaginação, o pequeno Wagner de Almeida Rosa começava, sem saber, a desenhar o próprio destino. Hoje, aos 50 anos, o quadrinista e professor de arte da rede municipal de São Vicente olha para o passado e reconhece que foi justamente nas dificuldades da infância que aprendeu as lições mais valiosas, que agora carrega para dentro da sala de aula.
“Minha mãe me disse para fazer o máximo com o pouco que tinha”, recorda, em tom de gratidão. A frase, guardada na memória desde os 6 anos, veio junto com um presente: sua primeira caixa de lápis de cor — 12 lápis curtos, mas cheios de possibilidades. “Minha mãe era faxineira, e às vezes trazia pra casa gibis e livros que os patrões iam jogar fora. Foi assim que comecei a ler, a desenhar, a reproduzir personagens das revistinhas e, claro, a sonhar”.
A mãe, sua maior referência, foi também a primeira crítica e incentivadora. “Ela nunca passou a mão na minha cabeça. Se o desenho não estava bom, ela dizia com sinceridade. Mas sempre me apoiava, sempre tinha uma palavra positiva”, lembra. Wagner também não esquece o nome da professora Ione, de São Vicente, que lhe mostrou o poder transformador da educação e da sensibilidade artística. “Ela acreditou em mim, me ensinado a aplicar os tons degradê, que ela dominava muito bem. Professores assim fazem toda a diferença”.
A trajetória do menino curioso que copiava gibis o levou à faculdade, onde ingressou no curso de Artes aos 31 anos. Pouco tempo depois, passou em concursos públicos e iniciou a carreira docente — um sonho que uniu suas duas paixões: a arte e a educação.
“Escolhi dar aulas porque queria continuar desenhando. A arte sempre fez parte da minha vida, sempre. Ela me salvou em momentos de tristeza, me deu rumo. Para mim, a arte é vida”, afirma com convicção.
Em 2020, foi convidado a participar de uma exposição em Portugal, dedicada à arte com lápis de cor — sua especialidade. O projeto acabou interrompido pela pandemia, mas a pausa não o fez desistir. Pelo contrário: ele retomou com força total na obra “Raios e Gritos”, publicada pela Kaiju, editora da Baixada Santista, mas que reúne artistas de vários lugares do país. “Esse projeto me reconectou com os quadrinhos. Voltar a desenhar foi como reencontrar uma parte de mim”.
Na sala de aula, Wagner busca despertar nos alunos a mesma curiosidade e paixão que o moveram na infância. “O que mais gosto é ver o brilho nos olhos deles. Às vezes, eles não percebem o quanto aprendem no momento, mas lá na frente, vão lembrar do professor que acreditou neles”, diz.
Com um estilo que mistura o traço norte americano ao mangá, Wagner continua criando e inspirando. Recentemente, começou a montar seu próprio sketchbook, reunindo desenhos autorais e novas ideias. “Quero mostrar aos alunos que a arte é um processo. Que todo artista precisa praticar, observar, errar, tentar de novo...”.
Entre páginas, lápis e sonhos, segue ensinando e aprendendo — com os alunos, com a vida e com a mãe, que, mesmo ausente, continua sendo sua maior inspiração. “A arte me salvou várias vezes, e agora quero que ela salve outras pessoas também”.